Fome, guerra, exploração: como foi sua formação moderna e o que é o continente africano além disso ?
Em três momentos vamos identificar as relações sociais regionalizadoras da situação do continente africano. Nesse rápido resumo, entenderemos os principais pontos da história, da modernidade colonial e dos desafios da contemporaneidade. Pega a visão!
Em primeiro momento vale identificarmos o berço da humanidade e o nascimento do nome do continente "África". Sabe-se que o registro de fósseis da espécie humana mais antigos já descobertos, foram encontrados no continente africano. A África mais ancestral, se não a casa do limiar geracional da espécie, foi certamente um lugar mais importante para o gênero "Homo" do qual descendemos.
Uma das etnias principais do continente são os da língua berbere que darão o radical para o nome do continente. Esses viviam no norte africano, no espaço de influência fenícia de Catargo, região outrora destruída pelos romanos. Com isso foram para outra província, a atual Túnis. Sendo estes reconhecidos externamente como habitantes da África (do radical berbere Ifri = rochedo/gruta), por extensão passou a denominar todos os habitantes do continente a noroeste pelos árabes.
Em todo continente africano podemos intuir que existiam diferentes grupos étnicos, alguns antropologicamente conhecidos. Podem ser destacados os balantas, iorubas, bijagós, jejes, manjacos, haussás, mandingas; caracterizados pela região temos os bantos, nagôs, minas, sudaneses, dentre outros. Tinham cada qual seus próprios reinos e impérios relativamente bem delimitados. Cresciam e desenvolviam-se, como o próspero Império Ghana, dentro de suas dinâmicas, tais semelhantes a Wakanda da ficção. Possuíam algumas relações comerciais com árabes e europeus, eram comunidades agrícolas e extrativistas.
O sul permanece nesse dinâmica de desenvolvimento até a expansão mercantil européia, enquanto que o norte passará pela expansão árabe. Adentramos assim na regionalização feita por alguns livros didáticos atuais, classificando duas Áfricas, uma ao norte e outra ao sul do deserto do Saara (uma certa barreira geográfica do território). São também denominadas de África do norte, África branca, África setentrional ou Magheb mais o Egito; e a África ao sul do Saara, África subsaariana ou África negra.
O norte atravessará a expansão colonial árabe, recentemente via império otomano, sobretudo nos séculos VII e VIII, com extensão colonial até a 1°GM. E assim terá maior influência da cultura islâmica. O sul do Saara somente no século XV entrará na dinâmica global pelo expansionismo mercantil e colonial europeu. Sobretudo no Sahel, orla ao sul do Saara, teremos a integração diaspórica de mão de obra escravizada da região como "periferia da periferia" da DIT( Divisão Internacional do Trabalho) feita por europeus. Eis o começo moderno da diáspora africana de escravizados para a América, Ásia e Europa.
Tornando mais complexas ou acentuando profundidades a antigas estruturas sociais preexistentes, a mercantilização de escravos marca profundamente o período contemporâneo com casos de racismo e desigualdades estruturais. Por exemplo, somente para o Brasil do século XV ao XIX são trazidos nos navios negreiros, em condições insalubres, onde muitos morreriam a caminho, aproximadamente 4 milhões de escravizados de diferentes grupos étnicos africanos. Só estes somam cerca de 40% do total de escravos trazidos para as Américas, em volume e intensidade nunca antes vistos na história humana. Podemos deduzir aprox. 10 milhões na imigração forçada e violenta somente para as Américas. Período marcante da nossa história que ainda vale ser conscientizado posto que mal compreendido e muitas vezes invisibilizado nos livros.
(Fonte:Slavevoyages.org)Somente no século XIX teremos eventos modificadores dessa situação. Por um lado teorias racistas na tentativa de justificar o injustificável escravocrata desenvolvida por deterministas raciais europeus e, nas Américas, movimentos abolicionistas nos diversos países escravistas. Soma-se a isso, a revolução industrial alastrando por países um tipo de fabricação diferente na exploração da natureza e gerando uma riqueza fora dos padrões da época. Muitos países passarão a demandar matérias primas, países compradores de produtos manufaturados e uma mão de obra assalariada disposta a comprar seus produtos (um mercado consumidor). Com isso, os momentos se convergem nas mudanças de paradigmas sociais, ao menos em superfície.
Os afrodescendentes sobreviventes a isso nas diversas égides estatais, fizeram uma etnogênese própria nos quilombos e locais de resistência, como os afro-brasileiros. Houve alguma miscigenação fragmentada, contudo ainda hoje prevalecem exclusões em diversos níveis sociais. O que alguns autores têm denominado de racismo estrutural.
Dado isso, vale recordarmos a Conferência de Berlim (1884-85) feita para dividir e criar os estados africanos ao neocolonialismo (ou imperialismo) europeu. Cerca de 13 países europeus sob o comando do chanceler alemão Bismarck, mais os EUA e os otomanos, dividiram a África para si de acordo com o "direito internacional" da época. Direito criado por eles, cabe lembrar, não respeitando as comunidades étnicas das regiões.
Serão construídas então políticas coloniais distintas com estruturas pré-coloniais diversas que legarão configurações regionais singulares. Ainda hoje em conflitos, sistemas sociais precários e em reorganizações instáveis. Teremos estruturas coloniais que marcam o território e deixam heranças sociais excludentes. A parte mais visível foi o regime legal de apartheid sul-africano no século XX, é o próprio racismo oficializado. Segregação racial constituída por lei para distanciar brancos e negros da convivência social no país. Retirando os direitos civis de pessoas negras, que somente foram auferidos em 1994 com a eleição de Nelson Mandela na República da África do Sul.
Em macroanálise, com o fim da 2°GM, teremos um novo ciclo para o continente. Começam a ocorrer rupturas ao padrão colonial "oficial" a partir da década de 1960. São formados os Estado-nações independente africanos, ainda que preservando delimitações territoriais daquela conferência. O que levará a uma constante tensão entre um Estado centralizador versus forças regionais. Como exemplo recente, temos o Sudão dividindo-se no Sudão do Sul. Portanto, há uma instabilidade interna em muitos países dada pelas fronteiras coloniais.
E além disso ?
A partir do século XXI teremos investimentos externos numa perspectiva de desenvolvimento horizontal. Desde a década de 1980, observa-se a China buscando relações ‘amigáveis’ com países africanos. Financiou obras de infraestrutura em diversos países, ultrapassando a atuação do Banco Mundial, por exemplo. Em busca de recursos naturais, matérias-primas (as commodities; petróleo, gás, minérios) e mercado consumidor; a China ganhará destaque a partir do novo milênio em relações comerciais com países africanos, sendo o de maior parcerias comerciais na África a partir de 2009. Juntos com os países de economia emergentes (como o BRA e IND), ainda a França como ex-colonial investidora e os EUA confrontando a China, aumentam suas relações econômicas no continente. O continente assim expressa-se como reserva de recursos naturais para tipos de subimperialismos contemporâneos.
Nesse sentido, mesmo em recessão global do capitalismo em 2008, o continente africano passou por um bom crescimento econômico neste início do século. Existem alguns centros intermediários, porém, estão em maior evidência por serem polarizadores econômicos e culturais, três países na dianteira africana desse xadrez vestifaliano:
A África do Sul enquanto país de maior desenvolvimento econômico - o coração simbólico da África austral;
A Nigéria a oeste como gigante populacional, de alta exploração petrolífera e de influência a outras áreas ao seu redor;
E o Egito ao norte expressando uma liderança cambaleante, mas mantendo um domínio importante sobre as instalações petrolíferas do canal de Suez.
Por fim, qual será o caminho a seguir do continente ?
Veremos uma diversificação da economia dos diferentes países africanos para diminuir a dependência das exportações de matérias primas ? Será diversificado os investimentos urbanos para desconcentrar o êxodo rural vivenciado nas últimas décadas no continente ? Será este o papel da União Africana (2002)? Será que encaminhamos para dragões africanos como pinta a China ?
Será observado uma consolidação da democracia diferenciada nos países africanos ? Ou será que seguirá a instabilidade democrática dos países ao norte? Esses que após os eventos da primavera árabe (2011) entraram no que tem sido denominado de inverno árabe. Isto é, o retorno de antigos grupos depostos ou novas lideranças ditatoriais no poder.
Ou será superada as heranças coloniais, teremos a feitura de uma filosofia própria africana da multiciplidade de suas culturas que intervenha, responda efetivamente nas nuances complexas do mundo moderno ?
Um caminho de dentro para fora talvez seja a rota para uma outra globalização. Quais modelos africanos serão incluídos, quais os caminhos alternativos seguir fora do desenvolvimento e "progresso" atuais, seguem sendo incógnitas-viáveis do continente.
Incorretas:
III – Em sua maioria a
população do continente africano vive em ambiente considerados rurais, cerca de
65%. Muitos países enfrentam um êxodo rural acelerado nas últimas décadas o que
tem implicado num aumento de periferias nas áreas urbanas.
IV – A conhecida Primavera Árabe(2011) passa por um período de inverno árabe em que outros grupos ditatórias ou os antigos depostos reassumem o poder. É o caso do Egito com a família Al-Sisi que criou cláusulas constitucionais para expandir sua permanência até 2030. Assim, há sintomas autoritários enraizados e retrocessos democráticos nesses países.
Fontes:
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